Na cadeia logística, um erro pontual pode desencadear prejuízos em série. Falhas no transporte, armazenamento ou separação de cargas podem comprometer a integridade de medicamentos, alimentos e outros produtos sensíveis.
Em setores regulados, como o farmacêutico, a consequência pode ser ainda mais grave: riscos à saúde pública, multas regulatórias e até a suspensão de operações.
É nesse cenário que entra o CAPA — Ações Corretivas e Preventivas — como instrumento estruturado de melhoria contínua e mitigação de riscos.
O que é o sistema CAPA, afinal?
CAPA é a sigla de Corrective and Preventive Actions, traduzida como ações corretivas e preventivas. É um requisito fundamental em sistemas de qualidade, especialmente nos setores sob regulação sanitária.
Segundo a RDC nº 430/2020 da Anvisa, “as empresas devem manter procedimentos para investigar desvios da qualidade, implementar ações corretivas/preventivas e verificar sua eficácia”.
Ou seja: mais que apagar incêndios, o CAPA busca corrigir causas e impedir reincidências, promovendo cultura de qualidade e conformidade regulatória.
“CAPA é o processo de identificar, investigar e eliminar causas de problemas, com foco na prevenção.”
— U.S. Food and Drug Administration (FDA), 21 CFR 820.100
Diferença entre Ação Corretiva e Preventiva
Embora correlatas, essas ações têm finalidades distintas:
| Tipo de Ação | Quando aplicar? | Objetivo principal |
|---|---|---|
| Ação Corretiva | Após uma não conformidade detectada | Eliminar a causa raiz |
| Ação Preventiva | Antecipadamente, com base em riscos | Prevenir que a falha ocorra |
Enquanto a corretiva reage a eventos ocorridos, a preventiva antecipa e mitiga potenciais problemas identificados por análise de risco, auditorias ou tendências operacionais.
🛠️ Como implementar um sistema CAPA passo a passo
A estrutura de um CAPA bem-sucedido envolve etapas claras e rastreáveis.
1. Identificação e Registro do Problema
Tudo começa com o registro da não conformidade ou situação de risco. Pode vir de inspeções, reclamações, desvios documentados ou indicadores fora da meta.
- Use formulários ou sistemas eletrônicos validados (como EQMS)
- Inclua data, local, descrição, impacto e setor envolvido
- Classifique o grau de risco inicial
2. Investigação da Causa Raiz
Apenas tratar os sintomas é insuficiente. É necessário ir à raiz da questão.
Ferramentas consagradas:
- 5 Porquês (5 Whys)
- Diagrama de Ishikawa (Espinha de peixe)
- FMEA (Análise de Modos de Falha e Efeitos)
“A causa raiz pode estar em treinamentos deficientes, infraestrutura inadequada ou falhas nos processos.”
— ISPE Good Practice Guide: Investigations
3. Planejamento e Implementação da Ação
Defina:
- Ação a ser tomada (corretiva ou preventiva)
- Responsáveis pela execução
- Prazo para cada etapa
- Recursos necessários
As ações devem ser proporcionais ao risco e sempre documentadas.
📊 Como priorizar? Use a Matriz de Risco
A priorização das ações depende do impacto e da probabilidade de recorrência. Empresas logísticas e farmacêuticas utilizam matrizes de risco como esta:
| Impacto \ Probabilidade | Baixa | Média | Alta |
|---|---|---|---|
| Alta | ⚠️ Acompanhar | ⚠️⚠️ Corrigir | 🔥 Imediata ação |
| Média | ✅ Monitorar | ⚠️ Corrigir | ⚠️⚠️ Priorizar |
| Baixa | ✅ Ignorar | ✅ Monitorar | ⚠️ Avaliar |
Essa metodologia está descrita no guia de riscos do ICH Q9 – Quality Risk Management, adotado pela Anvisa e outras agências reguladoras.
Documentação obrigatória
A rastreabilidade documental é um dos pilares do CAPA. A ausência de registros pode levar à reprovação em auditorias.
Checklist do que registrar:
- Descrição da não conformidade ou desvio
- Resultado da análise de causa raiz
- Plano de ação (com responsáveis e prazos)
- Evidências de implementação (fotos, logs, relatórios)
- Avaliação da eficácia
“Se não está documentado, não aconteceu.”
— EMA – Good Manufacturing Practice Guidelines
Ferramentas como TrackWise, MasterControl e EtQ Reliance são amplamente utilizadas para gerir CAPA de forma eletrônica e integrada.
Avaliação de eficácia: a etapa que não pode faltar
A eficácia da ação implementada precisa ser mensurada. Isso inclui:
- Auditorias internas após um período
- Monitoramento de indicadores (KPIs)
- Verificação da não recorrência da falha
Segundo o manual da FDA – Guide to Inspection of Quality Systems, uma ação só é considerada eficaz quando:
- Resolveu a causa raiz
- Não gerou consequências indesejadas
- Previne reincidências de forma sustentável
Aplicações reais do CAPA no setor logístico-farmacêutico
Diversas empresas do setor logístico e farmacêutico aplicam o CAPA como parte do sistema de gestão da qualidade exigido por regulamentações internacionais, como a RDC 430/2020 e os guias de Boas Práticas de Distribuição (GDP).
A World Health Organization (WHO) destaca o uso de CAPA como elemento essencial para garantir a integridade dos produtos durante o armazenamento e transporte. Em seu manual técnico, orienta que “ações corretivas devem ser implementadas após qualquer desvio significativo para evitar recorrência” (WHO Technical Report Series No. 961, Annex 9).
Empresas certificadas pela ISO 9001 e ISO 13485, que atuam na cadeia logística de produtos para saúde, também são auditadas com base na eficácia dos planos de CAPA implementados ao longo do tempo.
“O processo de CAPA é crucial para evitar falhas recorrentes, garantir a rastreabilidade e manter a conformidade com boas práticas.”
— World Health Organization (WHO), Technical Report Series No. 961
Principais obstáculos e como superá-los
Implementar CAPA é desafiador. Alguns obstáculos frequentes incluem:
- Cultura de culpabilização: que inibe relatos de falhas.
- Falta de tempo: ações improvisadas sem análise adequada.
- Documentação deficiente: registros incompletos ou genéricos.
Para superar isso:
- Treine equipes sobre cultura justa (Just Culture)
- Use ferramentas simples e acessíveis no dia a dia
- Incentive relatórios espontâneos e análises colaborativas
✅ Checklist prático para um CAPA eficaz
Antes de encerrar, aqui vai um checklist rápido para garantir uma boa execução:
- ✅ Desvio bem registrado
- ✅ Causa raiz identificada com método
- ✅ Ação clara, com responsáveis e prazos
- ✅ Evidência de implementação arquivada
- ✅ Avaliação de eficácia após execução
- ✅ Lições aprendidas compartilhadas
CAPA é cultura, não só procedimento
Empresas que veem o CAPA apenas como uma exigência burocrática deixam de aproveitar seu potencial estratégico.
Na logística, onde tudo precisa ser rápido e preciso, a prevenção é mais barata — e mais eficaz — do que a correção após o dano.
CAPA bem feito significa confiabilidade, compliance e melhoria contínua. E, no fim do dia, isso se traduz em segurança para o cliente e reputação para o negócio.
🔗 Referências
- ANVISA – RDC nº 430/2020
https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-rdc-n-430-de-8-de-outubro-de-2020-282551652 - FDA – Guide to Inspection of Quality Systems
https://www.fda.gov/media/93844/download - EMA – EU Guidelines for Good Manufacturing Practice
https://www.ema.europa.eu/en/human-regulatory/research-development/compliance/good-manufacturing-practice - ICH Q9 – Quality Risk Management
https://www.ich.org/page/quality-guidelines - ISPE – Good Practice Guide: Investigations
https://ispe.org/publications/guidance-documents
Sou Andressa, farmacêutica, graduada em Farmácia no ano de 2012. Ao longo da minha carreira, atuei em farmácias, distribuidoras e transportadoras, com uma ênfase especial no setor de logística farmacêutica.
Tenho uma formação acadêmica sólida, com os seguintes cursos de pós-graduação:
Pós-graduação em Ensino Interdisciplinar em Saúde e Meio Ambiente na Educação Básica pelo IFES (2019).
Pós-graduação em Logística de Produtos Sujeitos à Vigilância Sanitária – Medicamentos e Produtos para Saúde pela RACINE (2024).
MBA em Gestão Estratégica de Qualidade com Ênfase na Produtividade pela MULTIVIX (2020).
Com a combinação de experiência prática e conhecimento acadêmico, meu foco está em garantir a qualidade e a segurança dos processos logísticos no setor farmacêutico.